Brasil teve mais de 30 mil denúncias de mulheres vítimas de violência doméstica no campo em 2022

Por Redação em 22/07/2023 às 13:10:38

Levantamento exclusivo do g1 mostra que menos da metade dos estados especificam, no Boletim de OcorrĂȘncia, que os crimes ocorreram em uma zona rural. ViolĂȘncia doméstica no campo: a saga de mulheres para denunciar agressões no meio rural

Em 2022, o Brasil teve pelo menos 32.448 denĂșncias de mulheres que foram vĂ­timas de violĂȘncia doméstica e familiar em zonas rurais, aponta levantamento exclusivo feito pelo g1, com dados de Secretarias de Segurança PĂșblica dos estados e Distrito Federal (DF).

Os nĂșmeros, no entanto, devem ser bem maiores. Primeiro porque nem todos os estados especificam, no Boletim de OcorrĂȘncia, que os crimes ocorreram em ĂĄrea rural. E as formas de organizar os dados variam (veja abaixo).

Outro problema é que, "nas ĂĄreas rurais, hĂĄ uma subnotificação absurda dos casos de violĂȘncia doméstica", destaca a pesquisadora Juliana Lemes da Cruz, do Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica (FBSP), que estuda o tema no Vale do Mucuri, no nordeste de Minas Gerais.

Isolamento, vergonha, distância de serviços de saĂșde e segurança e medo de denunciar são alguns dos fatores que desincentivam as vĂ­timas a buscar ajuda, afirma Juliana.

Como denunciar violĂȘncia doméstica

ViolĂȘncia doméstica no campo: isolamento, longas distâncias, vergonha... o que impede mulheres de denunciar e receber atendimento

Confira a seguir as denĂșncias de violĂȘncia contra mulher no campo por estado.

Como os dados foram obtidos

Para obter os dados, o g1 solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), os registros de Boletins OcorrĂȘncia (BOs) enquadrados nos crimes da Lei Maria da Penha (Lei nÂș 11.340/2006), que aconteceram entre 2006 e 2022, em zonas rurais dos municĂ­pios.

Os estados que enviaram os dados selecionaram recortes de tempo distintos entre si. O que tinha em comum entre eles eram apenas as informações de 2022. Por causa disso, o grĂĄfico acima tem somente os registros policiais do ano passado.

Outro obstĂĄculo é que cada estado tem uma forma distinta de organizar as informações dos Boletins de OcorrĂȘncia. Nem todos utilizam o termo "zona rural" para especificar que o crime ocorreu no campo. Alguns usam o termo "interior", por exemplo.

Para criar uma padronização, o g1 somou apenas os dados dos estados que utilizam o termo "zona rural".

Veja a seguir a situação dos 26 estados mais o Distrito Federal (DF).

Separam os BOs por zona rural (12): Bahia, EspĂ­rito Santo, GoiĂĄs, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, ParĂĄ, ParanĂĄ, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo e Tocantins;

Não separam (5): Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Santa Catarina;

Não responderam (7): Acre, AmapĂĄ, Maranhão, ParaĂ­ba, PiauĂ­, Rondônia e Sergipe;

Amazonas selecionou os BOs de todos os municĂ­pios, menos os da capital Manaus;

CearĂĄ organiza os dados de crimes rurais por Interior Sul e Interior Norte do estado;

Pernambuco também separa os registros rurais por interior, levando em consideração o agreste, o sertão e a zona da mata.

Subnotificação de denĂșncias

O g1 conversou com trĂȘs moradoras de ĂĄreas rurais vĂ­timas de violĂȘncia doméstica, que relataram os motivos que dificultaram a denĂșncia e o rompimento com o ciclo de violĂȘncia (conheça as histórias aqui).

Estes vão desde à falta de apoio familiar e institucional (governos, ONGs, etc), passando por dependĂȘncia financeira, longas distâncias para chegar nas delegacias e, principalmente, medo de a denĂșncia não dar em nada.

Muitas mulheres, inclusive, desconhecem que sofrem violĂȘncia, diz Juliana, do FBSP, que fundou em 2018 o projeto Mulher Livre de ViolĂȘncia (MLV), que leva informações sobre a Lei Maria da Penha a ĂĄreas rurais de Minas Gerais.

"A gente viu, nos encontros [do MLV], que muitas mulheres das zonas rurais não entendiam o que era a violĂȘncia psicológica, moral e patrimonial, por exemplo. Muitas não associavam com uma agressão", diz.

"A violĂȘncia, em si, acaba sendo mais compreendida quando hĂĄ uma lesão corporal", acrescenta Juliana, que é pesquisadora na Universidade Federal Fluminense (UFF).

O MLV parou na pandemia e estĂĄ retomando, aos poucos, as atividades.

Demora no atendimento

O campo tem outras particularidades. Apesar dos avanços nos Ășltimos anos, nem todas as ĂĄreas, por exemplo, tĂȘm sinal de internet ou de telefonia fixa, o que dificulta a vida da vĂ­tima na hora de pedir socorro.

Em seus estudos sobre a violĂȘncia no nordeste de Minas, Juliana fez uma outra constatação.

Segundo ela, apesar do disque denĂșncia 190 da PolĂ­cia Militar ser muito divulgado como um canal para as vĂ­timas, nem todos os municĂ­pios tĂȘm postos policiais que recebem, diretamente, as ligações desse serviço.

Dos 60 municĂ­pios que integram a 15ÂȘ Região Integrada de Segurança PĂșblica de Minas Gerais (RISP), 78,3% não recebem ligações diretas do 190. Essas cidades representam metade da população da região, diz Juliana.

"Sendo assim, dificilmente as campanhas que destacam tão somente o acionamento do 'Disque 190' terão o sucesso almejado. Essa linguagem serĂĄ rapidamente identificada pelas mulheres como: 'esse serviço não é para mim'", afirmou a pesquisadora, em um dos seus artigos.

Ela explica que uma pessoa que mora em um local sem 190, ao acionar o Disque DenĂșncia, terĂĄ a sua ligação transferida para a cidade mais próxima. "E essa central vai precisar ligar para o policial que estĂĄ trabalhando [no municĂ­pio da vĂ­tima] no dia. HĂĄ, nesse caso, uma demora para a vĂ­tima ser atendida", ressalta.

O que diz o governo federal

O g1 entrou em contato com o Ministério das Mulheres para saber se o governo tem algum plano para dar suporte às vĂ­timas de violĂȘncia doméstica e familiar no campo.

Em resposta, o órgão afirmou que estĂĄ retomando o Programa Mulher Viver sem ViolĂȘncia, que funcionou até 2016, oferecendo, por meio de unidade móveis, atendimento especializado em saĂșde, segurança pĂșblica, justiça, assistĂȘncia social e autonomia financeira.

"Até 2016, o Programa Mulher Viver sem ViolĂȘncia distribuiu cerca de 60 unidades móveis para as capitais dos estados e DF com o objetivo de atender mulheres vĂ­timas de violĂȘncia em ĂĄreas rurais e de floresta"

"Neste momento, o Ministério das Mulheres estĂĄ realizando um levantamento dessas unidades móveis, a fim de reavaliar as melhores estratégias para levar o atendimento".

Créditos do especial violĂȘncia doméstica no campo

Coordenação editorial: Luciana de Oliveira

Reportagem: Paula Salati e Vivian Souza

Coordenação de arte: Guilherme Gomes

Direção de arte e ilustrações: Luisa Rivas e Veronica Medeiros

Roteiro do vĂ­deo: Paula Paiva

Edição do vĂ­deo: Marih Oliveira

Fonte: G1

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