Vitória e Maria Clara, herdeiras de Ednilson Alves Dutra, produtor de café em São João do Manhuaçu, na região das Matas de Minas, passaram os últimos dias nos Estados Unidos, prospectando clientes para o produto 100% orgânico da Fazenda Dutra, na Specialty Coffee Expo 2024, feira internacional, em Chicago. No Brasil, a família está empenhada nos cuidados pré-colheita. A expectativa é de uma safra menor, devido à falta de uniformidade na maturação dos grãos.
"Estamos vivendo uma situação atípica na Zona da Mata e esperando o melhor momento de iniciar a colheita. A florada veio cedo, a maturação também e, atipicamente, está chovendo sem parar. Em algumas regiões da propriedade, que fica entre 600 e 1.300 metros de altitude, o café madurou muito depressa e está caindo", diz Ednilson.
Ele prevê uma safra de menos de 20 mil sacas na área plantada de 1.200 hectares. A média da propriedade é de 26 mil. O produtor, que trabalha com três irmãos e a mãe, exporta diretamente 80% da produção de café em grãos para Alemanha, Espanha, Austrália, Japão, Bélgica, Itália, EUA e Inglaterra. O restante, processa e vende no mercado interno.
Ednilson conta que a opção pela produção sustentável, com respeito às pessoas e cuidado com o meio ambiente, vem desde que o pai, José Dutra, comprou um pequeno sítio e iniciou o plantio sem saber o que era certificação. O custo de produção sem agroquímicos, diz, chega a ser o dobro do café convencional, na casa dos R$ 1.500 por saca.
"Felizmente, o café tem registrado alta de preços nos últimos meses, o que pode ser a salvação da lavoura, porque a gente estava tendo prejuízo. O tipo orgânico, que tem valor de venda 30% superior ao da commodity, é mais difícil de vender, tem que procurar o comprador, mas compensa, pela nossa filosofia de vida de focar nas gerações futuras e pelo preço nas exportações."
Nos cuidados pré-colheita, a Fazenda Dutra não usa a prática de arruação (limpeza da área próxima ou sob a saia do cafeeiro), para não retirar a nutrição da planta orgânica. A arruação é recomendada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) para as plantações convencionais.
Participam da colheita cerca de 500 pessoas, a maioria pequenos produtores de café de um raio de 50 km que terminam a colheita em seus sítios e vão trabalhar na Dutra, que tem 150 funcionários fixos.
Na fazenda de José Carlos Bacili, na região mineira da Serra da Canastra, a preparação para o início da colheita dos 400 hectares de café convencional está a todo vapor. O produtor, que é presidente da Associação dos Cafeicultores da Canastra (ACanastra), conta que sua equipe de 50 pessoas está preparando os terreiros e terminando a manutenção das máquinas.
A região começa a colher em maio, mas Bacili deve iniciar já na próxima semana porque vai produzir 2.000 sacas de café nutracêutico (nutricional, funcional e medicinal), em parceria com a Syngenta. Esse café é colhido verde e recebe um tratamento de fermentação que aumenta em até 40% as propriedades antioxidantes dos grãos.
Neste ano, mesmo com a baixa bienalidade, o cafeicultor diz que a produção na região deve surpreender porque o clima ajudou bastante, apesar de dois veranicos em outubro e novembro. Em sua fazenda, a expectativa é colher 12 mil sacas no total.
O café da região, que ganhou selo de Indicação Geográfica (IG) em 2023, também foi apresentado na feira em Chicago, junto com o produto das outras 13 regiões brasileiras que têm denominação de origem. Bacili diz que neste ano a região também vai estrear na exportação, embarcando dois contêineres com a IG Canastra.
Segundo a Emater, Minas Gerais, que tem cerca de 500 municípios onde a cafeicultura é a principal atividade econômica, deve colher neste ano 29,9 milhões de sacas (60kg) de café, um aumento de 4,9% em relação à safra de 2023. A maior produtora é a região sul, que inclui a Canastra, com 65,2 mil produtores e uma produção de 14,1 milhões de sacas.
A maioria dos produtores inicia a colheita em maio. O coordenador estadual de Cafeicultura da Emater-MG, Bernardino Cangussú, alerta que o produtor deve tomar alguns cuidados neste período pré-colheita para garantir a qualidade e colocar um produto mais valorizado no mercado.
"Esse preparo da colheita é uma operação logística bem complexa dentro da propriedade rural. Durante a colheita, utilizam-se vários equipamentos e espaços físicos. É preciso ter toda essa logística organizada com antecedência, tanto em relação aos equipamentos quanto ao pessoal que vai trabalhar na lavoura, que deve estar bem treinado", explica Cangussú, em nota.
Na arruação, ele diz que o produtor pode usar um rastelo ou rodo de madeira, além de sopradores mecânicos, mas o importante é não tirar o excesso de terra para não danificar as raízes do cafeeiro.
Outro procedimento é a inspeção de instalações que serão usadas em todo o processo, até o beneficiamento. As tulhas, por exemplo, não devem ser usadas na armazenagem de outro produto agrícola ou insumo, pois o café absorve outros odores com muita facilidade.
O terreiro, que, ao longo do ano, serviu para tantas outras finalidades, deve, nesta época, servir exclusivamente para secagem, para evitar a contaminação do café. Deve ser bem varrido, lavado, desinfetado e cercado, se houver necessidade. Periodicamente, o local deve passar por uma reforma para eliminar gretas, buracos e rachaduras.
"Se há buracos no terreiro, tem que reformar para não ter grãos que caiam naquele buraco. Esses grãos fermentam e contaminam todo o lote de café, que é muito sensível. Então tem que vistoriar tudo".
O cafeicultor também precisa ter atenção com o ponto ideal de maturação do café para iniciar a colheita. Quanto maior for o percentual de frutos cereja, melhor. A grande quantidade de grãos verdes vai gerar perdas de qualidade, comprometendo o sabor e aroma.
Fonte: Globo Rural