Pela primeira vez no Brasil, a pesca da lagosta tem um limite de captura do crustáceo. Serão 6.192 toneladas para a lagosta vermelha (Panulirus argus) e a lagosta verde (Panulirus laevicauda).
A medida consta em uma portaria publicada pelos Ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente no dia 30 de abril. A pesca da lagosta no Brasil foi aberta no dia 1º de maio.
O estabelecimento de uma cota de captura era uma reivindicação antiga de entidades de proteção marinha, especialistas e pescadores para a recomposição dos estoques de lagosta, que estavam sobrepescados pelo menos desde 2015.
A definição saiu por unanimidade dentro do Comitê de Gestão Permanente (CPG) da Lagosta, espaço consultivo que reúne representantes do governo, do setor pesqueiro e da sociedade civil, assessorados por Grupos Técnico Científicos, compostos por pesquisadores.
Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, ONG de proteção da vida marinha, diz que a entidade vinha promovendo o debate e estudos sobre a necessidade de se estabelecer uma cota para a lagosta há muitos anos.
"Essa trajetória até a decisão do governo passou por uma escuta atenta sobre os desafios das comunidades pesqueiras tradicionais e da indústria. Por isso, essa é uma vitória tão marcante dentro do contexto da política pesqueira nacional, que requer uma ampla revisão", disse em nota.
Para o oceanógrafo Martin Dias, diretor-científico da Oceana, esse é o primeiro passo para garantir à pesca da lagosta um futuro promissor. Ele diz que é fundamental, no entanto, que esse limite de captura seja respeitado, bem monitorado e que medidas complementares para recuperar o estoque sejam debatidas e gradualmente incorporadas nas próximas safras.
A definição da cota também foi aplaudida pela Associação Brasileira das Indústria de Pescado (Abipesca) e pelo Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura, ouvidos pela reportagem.
Jairo Gund, diretor-executivo da Abipesca, diz que é o primeiro passo importante dado pelo governo porque a falta de gestão sobre os recursos pesqueiros colocava em risco não só o meio ambiente como os negócios em torno da pesca.
"É bom para o meio ambiente, traz previsibilidade ao pescador e fortalece a imagem do produto da indústria brasileira como um aliado das políticas de conservação ambiental, de produto sustentável."
Para Carlos Eduardo Villaça, o Cadu, presidente do Conepe, a cota é uma medida de gestão avançada que era aguardada com ansiedade pelo setor, mas ele acredita que o limite estabelecido foi alto. "Nos últimos dez anos, nunca se alcançou esse volume de pesca da lagosta."
O diretor da Abipesca discorda. Ele diz que o limite vem em linha com a média dos últimos cinco anos, o que demonstra que o recurso está saudável e que as medidas de ordenamento funcionaram.
Além do limite de captura, a portaria criou novas regras para o controle do volume pescado. Agora, a medição se dará na ponta da pescaria: a indústria deve reportar, no prazo de até três dias úteis e por meio de formulário eletrônico, dados como o Registro Geral de Pesca (RGP) da embarcação, número de lote e data de recebimento.
Quando for atingido o "gatilho" de 95% do volume estabelecido pelo limite de captura, as embarcações terão 15 dias, após a publicação do ato de encerramento no Diário Oficial da União, para retornarem do cruzeiro de pesca e fazer o último desembarque.
As lagostas devem chegar em terra vivas ou com até 30% do peso de cauda. Ficam mantidos os tamanhos mínimos de 13 cm de cauda para a lagosta vermelha e 11 cm para a lagosta verde.
Durante os três últimos meses do período de defeso (de 1º de fevereiro a 30 de abril), ficam proibidos o transporte, o processamento e a comercialização das lagostas para o mercado nacional, sendo permitido nesse período somente o armazenamento do estoque remanescente e a comercialização de lagostas destinadas à exportação.
O presidente do Conepe acrescenta que outra medida importante da portaria foi a proibição da pesca de lagostas ovadas, ou seja, lagostas com crias na barriga. "Ficam proibidos a retenção a bordo, o desembarque e a comercialização de lagostas ovadas", diz o texto publicado.
"Isso não existia na norma até hoje. É um caminho para conscientizar o pescador de que ele tem uma próxima geração de lagostas nas mãos e deve devolver a lagosta ovada ao mar."
Villaça só lamenta que a norma ainda não tenha alterado o tamanho mínimo da lagosta vermelha para cauda de 14 cm, deixando esse aumento previsto para 2025.
"Com 14 cm, a lagosta ganha um ano a mais de fertilidade, o que seria bom para toda a cadeia. Com uma biomassa maior, seriam 50 toneladas a mais e mais aceitação no mercado externo, mas as comunidades de pescadores ainda são contrárias à mudança", informa.
A necessidade de uma fiscalização efetiva das normas é defendida por toda a cadeia. Villaça afirma que é preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização, incluindo o comércio no mercado interno. Ele conta que no mês passado, em plena vigência do defeso da lagosta, estava em uma barraca de praia em Fortaleza e vendedores ambulantes lhe ofereceram o pescado fresco, o que é absolutamente ilegal no período.
Gund diz que já existe legislação para vetar isso, mas é preciso que a lei seja cumprida e os órgãos ambientais de fiscalização cumpram o seu papel na íntegra. "Não basta fiscalização nas indústrias que estão reguladas. É importante a fiscalização nos restaurantes, peixarias, quiosques e nos locais de desembarque da lagosta."
Segundo estimativa da Abipesca, cerca de duas mil toneladas de lagostas, ou uma em cada cinco, são comercializadas clandestinamente por ano no Brasil.
A pesca da lagosta é 100% artesanal e envolve cerca de 12 mil pescadores e quase 3 mil embarcações, segundo os dados do RGP, mas estima-se um número bem maior de pescadores e embarcações ilegais. Os principais estados produtores são Ceará e Rio Grande do Norte.
A lagosta é o item número 1 das exportações de pescado brasileiras, com US$ 76 milhões de receita em 2023, segundo dados do Sistema Agrostat do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A espécie mais comum no país é a lagosta vermelha. A lei permite apenas a pesca com manzuás, armadilhas de madeira e arame ou palha jogadas no mar e depois içadas pelos pescadores, mas, nos últimos anos, os estoques vêm sendo fortemente abalados pela captura com mergulho ou com redes.
Fonte: Globo Rural