Já nas regiões Norte e Nordeste, as chuvas devem chegar em algum momento ao Pará e à área conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Ainda assim, em volume inferior à média histórica, ressalva a meteorologista. Em anos em que o fenômeno é de intensidade forte ou muito forte, os baixos níveis de umidade afetam a produtividade de soja e milho no Matopiba.
Foi o que ocorreu no "super El Niño" que ocorreu entre 2015 e 2016, quando as temperaturas do Pacífico chegaram a subir 3°C – e o rendimento das lavouras da região caiu mais de 30%. O levantamento da CNA mostra, em linhas gerais, que tanto o volume de produção quanto o rendimento caem quando o El Niño age. E isso não se restringe à agricultura.
No caso da pecuária leiteira, as altas temperaturas e a umidade afetam as vacas em lactação, o que pode causar perda de produção de até 20% em animais com média produtiva de 30 litros de leite por dia. O resultado disso, nos cálculos da entidade, é uma queda de quase 25% da margem líquida da atividade.
Em contrapartida, a água mais quente tende a favorecer a piscicultura, e a produtividade da cana-de-açúcar costuma crescer. Desde 2013, os problemas climáticos já causaram prejuízos de mais de R$ 300 bilhões à agropecuária brasileira, segundo a Confederação Nacional dos Municípios. Nos primeiros nove meses deste ano, as perdas somaram R$ 24,6 bilhões na agricultura e R$ 9,1 bilhões na pecuária.
Os extremos climáticos não afetam somente a atividade rural, é claro, nem são exclusividade brasileira. Segundo um estudo publicado em setembro pela revista científica Nature, os 185 eventos meteorológicos extremos que estão na base de dados da Organização Meteorológica Mundial afetaram 1,4 bilhão de pessoas no mundo.
As perdas associadas diretamente às alterações climáticas, continua o estudo, chegam a US$ 143 bilhões anuais em média – o equivalente, hoje, a mais de R$ 700 bilhões, ou R$ 80 milhões por hora. Entram na conta as perdas materiais, chamadas no estudo de "danos monetários diretos", e as mortes decorrentes desses episódios. Elas representam 63% do valor total, estimado com base em um conceito conhecido como Valor Estatístico de uma Vida (ou, em inglês, "Value of a Statistical Life").
Se maior o intervalo da análise, o número de mortes fica ainda mais evidente. A Organização Meteorológica Mundial, agência que integra a Organização das Nações Unidas (ONU), informa que, no mundo, as perdas causadas por desastres ambientais aumentaram sete vezes desde 1970.
"Embora parte dessa alta deva-se ao aumento das notificações de danos provocados por catástrofes, ao crescimento populacional e aos movimentos migratórios em direção a áreas urbanas e costeiras mais expostas [aos eventos climáticos], pode-se atribuir às mudanças do clima uma parcela do aumento [das perdas]", escreveram os autores do estudo publicado na Nature, que cita o levantamento da agência.
"Estamos acostumados com as cheias, com a vazante, acontece todo ano. Mas dessa vez foi rápido. E foi forte" Delmar Rodrigues, agricultor.
Nessa era de extremos, o que se pode fazer pelo agro? "A crise climática nos coloca em um momento crítico, em que precisamos muito de pesquisa agropecuária com recursos públicos. Existem vazios que a pesquisa privada não está ocupando", pontuou o agropecuarista Pedro de Camargo Neto, doutor em engenharia, ex-presidente de entidades de classe e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura (2001-2022).
"Precisamos de novas variedades, mais resistentes a seca e calor. A pesquisa privada atua com soja e milho, mas, para gramíneas, por exemplo, que ocupam a maior parte da área de plantio no Brasil, se não for a Embrapa, com pesquisa, edição gênica, não teremos novas variedades." Esses apontamentos estão no relatório que Camargo Neto e um grupo de notáveis formularam para orientar a linha de trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária nos próximos 50 anos.
Projeções da estatal sugerem que, até 2040, as mudanças no clima devem forçar o deslocamento de culturas e reduzir áreas aptas ao plantio de alguns produtos. Soja, milho, arroz e trigo, por exemplo, que são originários de países de clima temperado, podem fazer parte dessa redistribuição. "Na região Sul, pode-se dizer que já há casos de plantio de soja em áreas que são de alto risco climático. As perdas dos últimos anos demonstram isso", afirma Leila Harfuch, sócia da Agroicone.
A consultoria tem um modelo econômico para o setor agropecuário com o qual ela cruza os dados da Embrapa. Os resultados dessa operação indicam que o aumento do risco agroclimático deve ter impactos mais relevantes sobre as lavouras do Sul, mas também sobre as do Sudeste e do Nordeste.
As perspectivas talvez soem um tanto desalentadoras, mas o agro brasileiro já colheu esperança mesmo do meio do fel do desespero – ou da necessidade. A bem-sucedida adaptação da soja, uma cultura originalmente de clima temperado, ao tempo quente e seco do Centro-Oeste é possivelmente o exemplo mais emblemático.
A crise climática nos coloca em um momento crítico. É preciso investimento público em pesquisa agropecuária
— Pedro de Camargo Neto, produtor rural e doutor em engenharia
O feito deveu-se não à crise climática, é verdade, mas sim à diretriz da expansão demográfica para essa região que vigorou a partir da década de 1970. Seja como for, ainda que o estopim tenha sido outro, colheu-se revolução com esse feito.
"Não se desenvolveu a soja para o Centro-Oeste com o olhar das mudanças climáticas, mas essa é uma forma de adaptação que serve de modelo para o momento atual", diz Giampaolo Pellegrino, coordenador do Comitê de Mudanças Climáticas da Embrapa.
O esquenta e esfria do clima embrulhou tudo. O que se precisa agora é, também, coragem.