Estrume de porco vira energia elétrica na cidade que mais produz carne suína no Brasil

Por Redação em 09/11/2023 às 06:23:39

Aliando produção, rentabilidade e redução de gases do efeito estufa, uma central de bioenergia instalada recentemente em Toledo, no oeste do Paraná, está produzindo energia elétrica a partir do biogás gerado por dejetos de porco.

O biogás é uma forma de aproveitamento da biomassa – matéria orgânica utilizada como fonte de energia renovável e sustentável – considerada barata e abundante. Ela pode ser obtida, por exemplo, do bagaço de cana, resíduos agrícolas e dejetos animais.

O Relatório Panorama do Biogás no Brasil em 2022, do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIbiogás), coloca o Paraná como o segundo estado brasileiro com maior crescimento do número de plantas geradoras de biogás em operação no país.

Atualmente são 198 no estado, um aumento de 18% em comparação a 2021.

Dados do Ministério de Minas e Energia mostram que, em 2022, da chamada Oferta Interna de Energia (OIE), que é toda a energia necessária para atender a demanda do país, 31,4% são referentes à biomassa, incluindo lenha, derivados da cana, lixívia (um derivado da madeira), biodiesel e outras fontes renováveis.

Se considerada apenas a produção de energia elétrica em 2022 no Paraná, o ministério afirma que 6,1% são considerados bioenergia por terem sido gerados, principalmente, a partir de lixívia e bagaço de cana.

O volume de biogás produzido no Brasil deverá aumentar 15 vezes até 2030, segundo projeção da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás). Segundo a organização, o potencial do país é de 100 milhões de metros cúbicos do produto diários.

Como fezes de porcos viram energia elétrica

No Paraná, por dia, a unidade instalada em Toledo consegue gerar energia suficiente para abastecer 1,5 mil casas populares. A matéria-prima vem de 15 produtores da região que possuem 41 mil suínos.

Os animais produzem diariamente cerca de 340 metros cúbicos de estrume, volume equivalente a 340 caixas d'água de mil litros cada.

A transformação dos dejetos em energia é feita em biodigestores, que são estruturas de concreto revestidas com lona plástica resistente.

No ambiente fechado e com pouco oxigênio, as bactérias consomem parte do material orgânico dos dejetos, liberando um gás rico em metano, como explica o presidente do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIbiogás), Rafael González, responsável pelo projeto.

"A gente recebe esse material em uma unidade física central, um terreno grande, onde temos tanques que armazenamos ele líquido. [...] Ele fica alguns dias nesse armazenamento e produz um gás, que tem uma riqueza em metano e o metano tem capacidade de ser transformado em energia elétrica ou em energia térmica", afirma.

Com o processamento nos biodigestores, há uma redução de até 90% da emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e são liberados pelas fezes dos animais. A unidade em Toledo é capaz de reduzir a emissão de até 10 mil toneladas de gás carbônico por ano, segundo o CIBiogás.

A produção de biogás no Paraná

O CIBiogás afirma que o Paraná tem grande potencial de produção do biogás, especialmente a partir de dejetos de gerados na pecuária, suinocultura ou avicultura.

Exemplo do potencial é a própria cidade de Toledo, maior produtora de carne suína do país, com movimentação bruta anual de mais de R$ 1,3 bilhão, de acordo com dados da Secretaria do Agronegócio, Inovação, Turismo e Desenvolvimento Econômico de Toledo.

A cidade abriga 681 produtores com criação que supera mais de 1,8 milhão de porcos.

Segundo a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), a suinocultura - criação de suínos para produção de alimentos e derivados - na área de atuação da regional de Toledo, que inclui 20 municípios, gera por dia pelo menos 28,8 milhões de litros de dejetos.

Conforme a Secretaria Industria, Comércio e Serviços do Paraná (Seic), a região oeste do estado tem capacidade para instalar cerca de 35 usinas de biogás, considerando a produção a partir da suinocultura, avicultura e pecuária bovina.

Questionada sobre projetos em andamento no Paraná para a instalação dos espaços, a Seic disse ter um grupo de trabalho composto por representantes do governo estadual e do setor produtivo que a cada 15 dias se reúne para tratar da instalação de biodigestores.

Ainda conforme a pasta, há uma série de medidas em andamento, como a desoneração tributária de cadeias produtivas de biogás, linhas de crédito de fomento ao setor, além da sanção, em março de 2023, da lei que cria a Política Estadual do Hidrogênio Renovável.

Mais dinheiro no bolso

Conforme as instituições citadas nesta reportagem, o setor de biogás vem crescendo ano a ano e pode ser alternativa altamente rentável aos produtores.

Entre as principais vantagens da bioenergia, estão:

possibilidade de ser produzida localmente;

baixa emissão de gases de efeito estufa;

ajudar a melhorar a segurança energética.

Biogás também pode ser combustível para veículos

O presidente do Centro Internacional de Energias Renováveis explica que, além de energia elétrica, o biogás pode ser refinado, como é feito com o gás natural fóssil, e pode abastecer veículos e, no setor agroindustrial, substituir a lenha.

"Se não tratado, ele (dejeto) acaba prejudicando o meio ambiente. Para isso, a gente transforma o chamado passivo ambiental, aquilo que pode agredir o ambiente se não bem tratado, num ativo energético e econômico", destaca.

O modelo de negócio instalado no Paraná prevê atualmente duas fontes de renda: a negociação de créditos de energia elétrica com a Companhia Paranaense de Energia (Copel), na modalidade de compensação de energia para minigeração distribuída, e a venda dos créditos de carbono.

O projeto é uma parceria da Itaipu Binacional, com o Parque Tecnológico Itaipu (PTI-Brasil) e o CIBiogás, responsável pela implantação e operação da planta.

Também apoiam a iniciativa a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), a Associação Regional de Suinocultores do Oeste (Assuinoeste) e a Prefeitura de Toledo.

'Pré-sal caipira'

Bom para o meio ambiente e igualmente importante para a suinocultura, a implantação do biodigestor poderá garantir ainda mais benefícios para os produtores e é considerada por González uma espécie de "pré-sal caipira".

Para o presidente do CIbiogás, quanto menos impacto ambiental na produção, maiores serão os ganhos ao setor.

"Muita gente fala de exportar no Brasil o aço verde, aqui na região a gente tem a possibilidade de exportar a proteína animal verde também. A gente chama isso de pré-sal caipira, é aquilo que tem no interior do país a oportunidade de realmente levar a outro patamar, a nossa produção."

Para o suinocultor Flademir Lorenzoni, que há 35 anos atua no setor e é um dos produtores envolvidos no projeto de bioenergia, a iniciativa contribuiu com toda cadeia produtiva.

Ele tem atualmente uma granja com 4,5 mil porcos e afirma que o descarte dos dejetos sempre foi um desafio.

"Eles vêm buscar (os dejetos) para o biodigestor e sai o gás, para o meio ambiente é a melhor coisa. [...] Eu acho esse projeto muito importante para a agricultura, porque a gente pode utilizar o adubo para jogar na lavoura. Eles trazem de volta o adubo já para jogar, ele vem composto. Ai jogo na lavoura, nas pastagens, e não tem contaminação", afirma o agricultor.

Potencial ambiental

González explica que o potencial de produção de biogás vai além dos dejetos de animais, e inclui, por exemplo, o próprio esgoto das cidades, que podem virar energia com a ajuda dos biodigestores.

"Do ponto de vista ambiental, a gente tem mais de um aspecto importante, mas o primeiro é o tratamento do resíduo. Quando a gente retira a matéria orgânica do resíduo, que ela é consumida pelas bactérias dentro do biodigestor, isso tira o potencial poluidor desse material", explica.

Além da geração de energia, o biofertilizante gerado no processo também pode ser usado na lavoura por ter grande quantidade de nitrogênio e fósforo, elementos cruciais para o ambiente produtivo, segundo González.

Fonte: G1

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