Se alguns meses atrás as usinas e produtores de cana tinham dúvidas sobre o impacto da seca e dos incêndios do ano passado sobre a safra 2025/26, que começa oficialmente em abril, agora o sentimento já é de preocupação. A falta de chuvas em fevereiro e no início de março em boa parte das regiões canavieiras do Centro-Sul agravou a situação de lavouras já afetadas pela estiagem de 2024.
As projeções ainda são conflitantes, o que reflete também a situação heterogênea das lavouras na região. Há desde alguns poucos analistas que preveem aumento da moagem de cana na próxima temporada, até produtores e traders que esperam uma nova queda expressiva da safra. A consultoria Datagro divulgou ontem em evento que realizou em Ribeirão Preto que projeta um volume bem próximo ao da safra atual, de 612 milhões de toneladas, uma queda de 1,4%. Mas o dissenso é grande.
Do lado otimista, está por exemplo a consultoria Hedgepoint, que prevê uma moagem de 630 milhões de toneladas. A expectativa baseia-se no volume de chuvas acumulado dos últimos meses. "Neste ano a chuva está quase na média e a umidade do solo melhor", justificou Carlos Mello, head de açúcar da Hedgepoint Global Markets. Para ele, esse volume só deve ser menor se o período de março a maio for mais seco.
Já a trading Sucden está do lado pessimista. "Um número de 590 milhões a 600 milhões de toneladas seria um bom número para o Centro-Sul", avaliou Ulysses Carvalho, trader-sênior da Sucden.
Entre os produtores, o pessimismo é maior. "Hoje, com as associações que conversamos, a perspectiva é de uma quebra de mínima de 15%", afirmou José Guilherme Nogueira, presidente da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), ao Valor.
As lavouras estão enfrentando dois problemas: falha de brotação e dificuldade de crescimento. "Onde teve incêndio [em 2024] e também onde não teve, a cana não está subindo", relatou.
Dono da Ipê Agrícola, que fornece cana para usinas em Araraquara (SP) e Pitangueiras (SP), Azael Pizzolato Júnior disse que mesmo em talhões que não pegaram fogo houve soqueiras que não rebrotaram, obrigando-o a replantar. A seca atual afeta inclusive as lavouras de amendoim, que ele cultiva em sistema de rotação com a cana.
Uma das regiões que mais sofreram com a seca em 2024 e voltou a ficar sem chuvas há um mês foi Jaú (SP). Presidente da Associação dos Plantadores de Cana da Região de Jaú, Eduardo Romão disse que em 13 de janeiro, quando os produtores costumam fazer uma leitura dos canaviais para avaliar a aplicação de pré-maturador, os pés de cana que deveriam estar com 70 centímetros estavam com metade dessa altura. "O produtor não quis aplicar pré-maturador porque quer que [a cana] cresça."
Ele estimou uma queda de 25% na produtividade dos canaviais na região de Jaú, mas disse que outras regiões podem ter resultado pior, como Araçatuba e São Carlos. Na região de Ribeirão Preto, onde não há chuvas relevantes há mais de 30 dias, os produtores também preveem redução, mas menos acentuada. Já a região de Piracicaba foi menos afetada. Assim como a de Pirassununga, onde está a Baldin Bioenergia. "Nossa dificuldade foi bem pequena [no ano passado], mesmo com as queimadas. Ainda é cedo para falar. Mas alguma queda vai ter", disse Carlos Roberto Ravanelli Ferreira, gerente administrativo da Baldin Bioenergia.
No mapeamento da Datagro, as regiões onde as lavouras estão em pior condição são Ribeirão Preto e Araçatuba. Só em fevereiro, o índice de chuvas na microrregião de Ribeirão Preto ficou 26,5% abaixo da média, e na região de Bauru, em 43,1%. A situação foi ainda pior no sul de Minas Gerais e em Goiás, onde o índice ficou abaixo da média em mais de 70% no mês. Já o nível de armazenamento de água no solo está elevado, com percentuais de mais de 70% em boa parte de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais. Porém, um ano antes, a parcela com índice de armazenamento de água acima de 80% era maior.
Na avaliação da consultoria, as condições dos canaviais hoje indicam que o primeiro terço da colheita terá queda de produtividade, dadas as falhas de brotação, o encurtamento dos nós da cana e o menor crescimento. Já para o segundo terço da safra, a perspectiva por ora é de rendimento agrícola estável. "Vai depender das chuvas de abril", reforçou Plínio Nastari, presidente da Datagro.
Fonte: GR